Fragmentação e friendshoring: exportadores correm para se adaptar à guerra comercial

20 de maio de 2025

O novo estudo exclusivo da Allianz Trade, que avaliou a pulso o mercado no auge da guerra comercial dos EUA (antes e depois do Dia da Libertação, a 2 de abril), revela o impacto da guerra comercial e os mecanismos de adaptação de 4.500 exportadores em nove países.chave que representam cerca de 60% do PIB global.

De acordo com os resultados do Allianz Trade Trade Global Survey 2025, divulgado hoje, a imprevisibilidade das políticas tarifárias dos EUA aumentou a incerteza para as empresas a nível mundial. O inquérito abrangeu 4.500 empresas na China, França, Alemanha, Itália, Polónia, Singapura, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, tendo sido realizado em duas fases – antes e depois dos anúncios tarifários do Dia da Libertação, a 2 de abril. Os resultados revelam uma mudança acentuada nas expectativas de crescimento, perceções de risco, sobretudo quanto a atrasos de pagamentos, e estratégias diversas para mitigar os efeitos da guerra comercial. Mesmo a recente assinatura de acordos comerciais bilaterais, o nevoeiro de incerteza persiste. Parte do alívio poderá revelar-se temporário.

O Allianz Trade Global Survey mostra que cerca de 60% das empresas esperam um impacto negativo da guerra comercial, e 45% preveem uma redução no volume de negócios das exportações. O impacto vai além dos volumes comerciais: mais de uma em cada quatro empresas está a considerar suspensões temporárias na produção devido à combinação de tarifas e volatilidade monetária, especialmente nos setores que dependem de bens intermédios importados.

“Em nítido contraste com o otimismo observado antes da vaga de tarifas de 2 de abril o estudo global deste ano confirma aquilo que temos observado nos mercados: a incerteza e a fragmentação estão a tornar-se estruturais. O Dia da Libertação expôs vulnerabilidades das empresas com cadeias de abastecimento e mercados de exportação altamente concentrados. Os números falam por si: as expectativas positivas globais de exportação caíram de 80% para 40%, e 42% das empresas esperam agora que o volume de negócios de exportação caia entre -2% e -10%, comparando com apenas 5% antes do Dia da Libertação. Apesar dos recentes acordos bilaterais com o Reino Unido e a China, estimamos que as perdas globais de exportação atinjam os 305 mil milhões de dólares em 2025. As empresas não estão paradas. Tendo navegado por sucessivos choques desde 2020, estão mais uma vez a adaptar-se, a diversificar parceiros, a reconfigurar a logística e a incorporar mecanismos de partilha de risco em toda a cadeia de valor. No atual ambiente comercial, o sucesso depende cada vez mais da capacidade de adaptação”, afirma Aylin Somersan Coqui, CEO da Allianz Trade.

O alívio temporário deverá encorajar as empresas a antecipar envios até ao fim das pausas de 90 dias (12 de agosto para a China e 8 de julho para o resto do mundo), como já tinham feito no início do ano – 86% das empresas norte-americanas afirmaram ter antecipado envios da China e da UE antes da aplicação das tarifas.

Poucas empresas tencionam absorver o aumento dos custos ou reduzir os preços de exportação para manter a quota de mercado, especialmente nos EUA, onde mais de metade das empresas planeia aumentar os preços (54%). Devido à elevada incerteza, a procura de novos mercados de origem deverá continuar a ser a segunda opção mais preferida para mitigar o impacto das tarifas, sobretudo na Polónia e em Espanha. A diversificação das cadeias de abastecimento e das bases de clientes continua a ser uma estratégia duradoura de mitigação do risco – o que não surpreende, dado que 54% dos inquiridos consideram os riscos geopolíticos, políticos e os distúrbios sociais entre as três principais ameaças às suas cadeias de abastecimento. Mais de um terço das empresas inquiridas já encontrou novos mercados de exportação, enquanto quase dois terços estavam a planear fazê-lo.

Para manter os custos aduaneiros sob controlo, a maioria das empesas procura rotas alternativas de transporte marítimo, incluindo 62% das empresas norte-americanas (beneficiando de uma queda de quase -50% nos custos de transporte marítimo desde o início de 2025 e da descida dos preços do petróleo – que deverão situar-se entre os 65 e os 70 dólares por barril até ao final do ano).

O estudo revela ainda que, no que toca aos termos de comércio, as empresas estão a transferir cada vez mais para os seus fornecedores a responsabilidade pela gestão logística e dos custos (incluindo aduaneiros) até aos locais dos compradores. Uma exceção interessante é nos EUA, onde os termos “Cost, Insurance & Freight” (CIF) continuam a dominar. As empresas também pretendem partilhar o custo de volatilidade monetária, sendo a introdução de clausulas de preços nos contratos para partilha de risco cambial com clientes e fornecedores a opção preferida para 59% das empresas.

O desacoplamento entre os EUA e a China deverá continuar no médio prazo, apesar da pausa de 90 dias nas tarifas. A intenção das empresas norte-americanas de exportar para a China caiu para metade, para 10% após o Dia da Libertação, enquanto as expectativas das empresas chinesas de exportar para a América do Norte colapsaram de 15% para 3%. As empresas norte-americanas com produção na China estão cada vez mais à procura de alternativas fora da Ásia: um quarto está a considerar a Europa Ocidental e outro quarto, a América Latina.

“Ainda que o novo acordo comercial reduza a tarifa média de importações dos EUA sobre a China para 39%, face aos exorbitantes 103%, esta continua bem acima da taxa de 13% aplicada antes do segundo mandato de Trump. Neste contexto, o friendshoring deverá continuar a ganhar força: a Europa e a América Latina estão a emergir como alternativas atrativas para as empresas chinesas, e as empresas europeias estão também cada vez mais interessadas em exportar para a China e para a Ásia: entre as duas fases do estudo, as intenções de exportação aumentara, para 36%, e o interesse pelo mercado do Sul e Sudeste Asiático duplicou para 14%. Entretanto, a América Latina está a emergir como a vencedora das estratégias de desvio e reencaminhamento comercial, com empresas chinesas e europeias a olharem para a região como uma porta de entrada para os EUA a custos mais baixos”, afirma Françoise Huang, Senior Economist for Asia Pacific and Trade da Allianz Trade.

A guerra comercial teve impacto nas expectativas relativas aos prazos de pagamento: após o Dia da Libertação, 25% dos exportadores antecipam prazos superiores a sete dias, uma subida de +13 pontos percentuais. Quase metade dos exportadores (48%) antecipam um aumento do risco de incumprimento – particularmente nos EUA. Itália e Reino Unido – refletindo o agravamento generalizado das condições do comércio internacional.

Apenas 11% das empresas exportadoras continuam a receber pagamentos em menos de 30 dias, sendo este valor particularmente mais baixo entre os principais exportadores como os EUA, a China e a Alemanha. Cerca de 70% das empresas recebem entre 30 a 70 dias – valor ligeiramente superior ao Reino Unido (75%), França (73%) e EUA (73%), variando por setor ou dimensão da empresa.

As grandes empresas tendem a enfrentar prazos de pagamento mais longos, como 26% das empresas inquiridas com volume de negócios superior a 5 mil milhões de euros a enfrentaram prazos superiores a 70 dias, comparando com 18% na média da amostra total. Isto sugere que as grandes empresas estão a assumir cada vez mais o papel de banco invisível para empresas mais pequenas. Com ciclos de pagamento mais longos e o aumento do risco de insolvência, os exportadores estão sob pressão para repercutir custos, procurar novos mercados de origem ou até reconsiderar por completo a sua presença internacional”, conclui Ana Boata, Head of Economic Research da Allianz Trade.