Comércio Global: A maioria dos países deve cancelar os lockdowns até junho

06 de maio de 2020

O comércio global pode permanecer abaixo de 90% do seu nível pré-crise mesmo depois do desconfinamento. Na Figura 1, vemos que o final dos lockdowns não significa um retorno imediato à normalidade. Alguns países continuarão com lockdowns regionais, reabrindo os setores de suas economias a um ritmo gradual. Esperamos que o comércio só comece a se recuperar a partir do segundo semestre de 2020 e ao longo de 2021, empurrando o crescimento geral no ano que vem para +10% em termos de volume e +15% em termos de valor.

Figura 1: Comércio global em 2020 como parcela do nível de 2019: impacto dos lockdowns e do desconfinamento descoordenado gradual

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Fontes: Várias, Euler Hermes, Allianz Research

Mesmo após o fim dos lockdowns, diferentes regras de desconfinamento para a movimentação de bens, serviços e pessoas, podem criar incerteza, assimetria de informações e um fardo regulatório pesado para as empresas, o que deve impedir que o comércio global volte ao normal com rapidez. Do ponto de vista das mercadorias, esse desconfinamento descoordenado subtrairia um total de 1,5 trilhão de dólares dos fluxos globais até o final de 2020. Isso equivale à imposição de uma elevação de tarifa global de +7pps (para uma tarifa média de 13%).

Juntando o impacto dos lockdowns e da reabertura descoordenada gradual, antecipamos que a crise da Covid-19 e suas consequências varrerão 2,4 trilhões de dólares do comércio de mercadorias (e 1,1 trilhão de dólares do comércio de serviços).  No total, os danos agregados dos lockdowns e da saída deles seriam equivalentes a um súbito aumento de +11pps na tarifa média global para cerca de 17%, um nível visto pela última vez em 1994.

Apesar da recuperação em forma de U, alguns setores específicos correm o risco de sofrer pressões inflacionárias por serem mais sensíveis a disrupções na cadeia de suprimentos. Vários subcomponentes de PMI de "preços de insumos" escalaram durante os últimos meses devido aos prazos de entrega mais longos e diversas dificuldades logísticas devido aos lockdowns generalizados afetando mais da metade do PIB global. Em termos de setores, os de computadores & eletrônicos, seguidos pelos de metais & mineração, transportes, equipamento elétrico e têxteis, são os que mais sofrem com riscos de disrupções continuadas durante o desconfinamento, dada a sua dependência de insumos estrangeiros e o nível de estoques.

Em termos de países, empresas que operam na China, nos EUA, na Alemanha, França, Irlanda e na região de Benelux correm mais riscos de sofrer pressões inflacionárias e disrupções da cadeia de suprimentos, uma vez que sua dependência nas exportações de insumos estrangeiros é mais alta em comparação com seus pares e os níveis de estoques  estão abaixo ou próximos à média de longo prazo.

Figura 2: Integração global da cadeia de suprimentos e nível de estoques por setor

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Fontes: Bloomberg, OECD TiVA, Euler Hermes, Allianz Research
Figura 3: Integração global da cadeia de suprimentos e nível de estoques por país
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Fontes: Bloomberg, OECD TiVA, Euler Hermes, Allianz Research

Por fim, é bom tomar cuidado com o retorno de um risco pré-Covid: o protecionismo clássico, que pode (1) recriar as incertezas de 2019 e prejudicar a recuperação dos investimentos, conforme as tensões EUA-China se intensificam, e (2) varrer 30 bilhões de dólares do comércio de equipamentos relacionados à Covid-19, agindo como amplificador da crise para países emergentes e em desenvolvimento.

Os EUA oficialmente escalaram suas acusações contra a China depois que o secretário de estado Mike Pompeo reiterou declarações anteriores ligando o surto da Covid-19 a um laboratório em Wuhan, na China. Isso pode levar os EUA a questionarem o acordo de Fase 1, cujas condições são ainda mais desafiadoras agora que os preços de energia despencaram. Estimamos que a China teria que comprar mais 20% em produtos de energia este ano para cumprir o acordo e mais 3,6% em produtos agroalimentares; isso equivale a três vezes menos do que o nível projetado quando o acordo fora assinado. Além disso, a OMC deve pavimentar o caminho para que a Europa aumente as tarifas em relação ao caso Airbus/Boeign até o final de junho.

Os lockdowns e o desconfinamento também vêm com mais medidas protecionistas para produtos relacionados à Covid-19. Os dados mostram uma alta histórica nas restrições de novas exportações de suprimentos médicos e equipamentos de proteção (produtos relacionados à Covid-19). No total, mais de 80 novas medidas protecionistas foram implementadas sobre esses produtos em 2020 no mundo todo, uma alta histórica e 2,5 vezes mais do que o ano inteiro de 2019. Estimamos que as proibições de exportações possam reduzir o comércio de produtos relacionados à Covid-19 em 30 bilhões de dólares em 2020.

Esse protecionismo segmentado pode ser um amplificador da crise de saúde para países emergentes e em desenvolvimento. Como visto na Figura 4, Brasil, Argentina e Argélia, seguidos pela África do Sul, Marrocos, Indonésia, Colômbia, Malásia, México e Chile, são países cujas importações de produtos relacionados à Covid-19 se concentram fortemente em três parceiros principais, e onde as tarifas de importação sobre tais produtos são as mais altas do mundo.

Figura 4: Tarifas médias de importação sobre produtos relacionados à Covid-19 e concentração de importações (% das importações de três principais parceiros comerciais)

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Fonte: Banco Mundial, Euler Hermes, Allianz Research