Por fim, as medidas protecionistas de curto prazo para produtos médicos, a ressurgência da retórica patriótica econômica e o direcionamento nacionalista das políticas econômicas podem atrapalhar as cadeias de suprimentos na fase de recuperação e desacelerar o retorno à atividade no segundo semestre. Embora a China tenha recentemente imposto uma tarifa de 80% sobre as exportações de cevada da Austrália, rumores de tarifas sobre as importações pelos EUA da China se intensificam de maneira proporcional às acusações do papel de Beijing na crise da Covid-19. As discordâncias comerciais no curto prazo podem drenar a confiança, assustar os mercados e interromper o ciclo de investimento. Historiadores econômicos demonstraram que a Grande Depressão dos anos 1930 provavelmente foi agravada pela adoção de políticas comerciais restritivas. Ainda em 2019, a disputa comercial entre EUA e China e a recessão manufatureira que ela criou subtraíram mais de 300 bilhões de dólares do comércio global.
As mudanças de médio prazo nas políticas econômicas também devem ser monitoradas. O representante comercial dos EUA defendeu o fim do offshoring, enquanto o parlamento europeu declarou que "apoia a reintegração de cadeias de suprimento dentro da UE". Será que uma transição generalizada para a nacionalização e o divórcio da economia chinesa podem fazer sentido?
Em primeiro lugar, a dependência total da fabricação chinesa cresceu nos últimos 20 anos, o que dificulta muito a nacionalização: Não apenas a fabricação chinesa como parcela da fabricação global mais do que dobrou desde 2004, como também os países aumentaram sua dependência direta e indireta de insumos chineses (Baldwin e Evenett, 2020). De fato, a China fornece insumos para os EUA. Mas ela também é uma fornecedora importante de peças de automóveis para a Alemanha, o Japão, o México e o Canadá. Esses países, por sua vez, usam insumos chineses ao fabricar peças e componentes de automóveis que vendem para montadoras baseadas nos EUA, o que cria uma dependência indireta da China, muito maior do que a dependência observada.
Em segundo lugar, a nacionalização não necessariamente significa o corte de riscos: ela também pode implicar a aposta de todas as fichas em um só lugar, criando um risco de movimentos pró-cíclicos quando a crise bater. Imagine todos os setores expostos a flutuações domésticas na economia. Se uma economia estiver em lockdown e suas fábricas tiverem que ser fechadas, ela não poderá produzir tudo de que precisa localmente.
Em terceiro lugar, a insatisfação social crescente pode ser incompatível com a nacionalização, pois esta implicaria maiores custos trabalhistas repassados para o consumidor. Embora a independência estratégica seja enaltecida pelos formuladores de políticas, aumentar preços para bens duráveis-chave como automóveis ou eletrodomésticos pode ser uma medida impopular e politicamente delicada.
Por fim, para além dos argumentos políticos, os incentivos para que as empresas nacionalizem suas atividades ainda não são suficientes, e podem vir a custar muito dinheiro público, sendo potencialmente repassados ao contribuinte. Será que as empresas investirão suas margens? Será que todos os governos conseguirão driblar a vantagem comparativa de Ricardo e a alocação de trabalho onde é mais barato? Hoje, parece haver uma discrepância entre as posturas políticas ambiciosas e os incentivos para as empresas.
Mas não é só o comércio que pode ser prejudicado, uma vez que a triagem mais diligente dos investimentos estrangeiros diretos pode desacelerar os fluxos de capital internacional. Segundo a OCDE, nos últimos anos, entre 55% e 65% dos influxos de Investimento Direto Estrangeiro global entraram em países que aplicam processos de revisão de IDE intersetoriais – duas vezes mais do que a parcela de influxos de IDE globais que estavam potencialmente sujeitos a triagens de segurança na maior parte dos anos 1990. A crise da Covid-19 deve acelerar essa tendência, especialmente com a UE e o Reino Unido tornando suas regras de triagem mais exigentes. A UNCTAD prevê uma queda drástica nos fluxos de IDE globais – até 40% – durante 2020-2021, atingindo o nível mais baixo em duas décadas.