Desemprego oculto

06 de Outubro de 2020

Até agora, os mercados de trabalho em muitos países se mostraram muito mais resistentes do que a atividade econômica - ao menos é isso que parece estar acontecendo.  Com base na relação de longo prazo entre o crescimento do PIB e as mudanças na taxa de desemprego, o verdadeiro impacto no mercado de trabalho relacionado à Covid-19 em alguns países deve ser muito mais grave do que os indicadores oficiais sugerem. Na verdade, as taxas de desemprego deveriam ser 3 a 5 pp mais altas na França, Itália, Espanha e Reino Unido e 10 pp mais altas na África do Sul. Os EUA se destacam em nossa amostra como o único país em que a taxa de desemprego é mais alta do que as relações históricas com o crescimento do PIB.

Figura 1: Taxa de desemprego oficial mais recente (%) vs. estimativas da taxa de desemprego do terceiro trimestre com base na Lei de Okun (%)

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Fontes:  Eurostat, OCDE, Allianz Research.

Investigando um pouco mais afundo os principais indicadores do mercado de trabalho, descobrimos que mais de 30 milhões de trabalhadores desapareceram das estatísticas oficiais em países da OCDE e de mercados emergentes. Esse “desemprego oculto” está ocultando a verdadeira extensão dos prejuízos no mercado de trabalho. De acordo com nossos cálculos, o número de desempregados que sumiram das estatísticas oficiais desde fevereiro de 2020 varia de 2,4 milhões na França, Itália, Espanha e Irlanda e 5,5 milhões nos Estados Unidos a 13 milhões no Brasil. A queda acentuada da população ativa não tem precedentes recentes (ver Figura 2).

Figura 2: População ativa ao longo do tempo (meses), Índice: 100 = mês pré-crise

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Fontes:  Eurostat, OCDE, Allianz Research

No que diz respeito aos mercados desenvolvidos, essa não é uma grande surpresa, uma vez que o emprego foi protegido por esquemas de licença. Mas nossos achados sugerem que, mesmo nos Mercados Emergentes, a taxa de desemprego oficial não conta a história inteira.

Além do efeito de desânimo entre os trabalhadores, este aumento acentuado na inatividade pode ser explicado por características especiais associadas à recessão da Covid-19, incluindo severas restrições de mobilidade, serviços públicos indisponíveis e aumento das responsabilidades domésticas com as crianças em casa. Nós recalculamos as taxas de desemprego adicionando as variações na população inativa desde fevereiro, tanto ao numerador (desempregados) quanto ao denominador (população ativa). Descobrimos que o “desemprego oculto” nas principais economias desenvolvidas aumentaria a taxa de desemprego em cerca de 6 pp na Irlanda e Espanha, 3 pp nos Estados Unidos e cerca de 1 pp na Itália, Canadá e Portugal (ver Figura 3). Como na maioria dos países as restrições da Covid-19 foram aliviadas significativamente, prevemos que esse “desemprego oculto” gradualmente volte a ser contabilizado na taxa de desemprego oficial.

Figura 3: Estimativas oficiais da taxa de “desemprego oculto” nos mercados desenvolvidos (%)

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Fontes:  Eurostat, Estatísticas Nacionais, OCDE, Allianz Research.

O aumento das taxas de desemprego nos mercados emergentes subestima o dano que a Covid-19 tem causado no mercado de trabalho: 13 milhões de pessoas deixaram o contingente de trabalho no Brasil desde fevereiro, 5,2 milhões na África do Sul, 1,8 milhões no Chile, 1,6 milhões na Colômbia e 1,2 milhões na Turquia. Isso faz com que o desemprego seja subestimado em 10,4 pp no Brasil, 16,7 pp na África do Sul, 15,8 pp no Chile, 5,3 pp na Colômbia e 3,2 pp na Turquia. O “desemprego oculto” tende a ser um problema maior na maioria dos mercados emergentes por dois motivos: (i) proteção mais fraca ao emprego e (ii) facilidade de transição para o trabalho informal, que não aparece nas estatísticas oficiais.

Figura 4: Estimativas oficiais da taxa de “desemprego oculto” nos Mercados Emergentes (%)

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Fontes: Estatísticas nacionais, OCDE, Allianz Research

O que isso significa para empresas e consumidores? As perspectivas de recuperação para o consumidor global provavelmente estão sendo exageradas. Na verdade, estimamos que para cada mês adicional em que os desempregados ocultos permanecerem fora do contingente de trabalho, o consumo privado global sofrerá uma perda "oculta" de 14 bilhões dólares (0,3% do PIB mensal) devido à perda de "gastos sociais" e a gastos em setores que normalmente sofrem durante uma recessão. Quanto mais tempo a população recém-inativa permanecer fora do contingente de trabalho, mais forte será o impacto "oculto" nos setores de consumo que são especialmente sensíveis à recessão da Covid-19. Além dos setores que costumam sofrer em meio à desaceleração econômica (móveis, vestuário e calçados), os “gastos sociais” (transporte, lazer e cultura, restaurantes e hotéis) serão particularmente afetados. Em contraposição aos itens de consumo básico que provavelmente não sofrerão tanto impacto (alimentos, aluguel, energia) por sua própria natureza, e graças ao apoio emergencial temporário do governo, os componentes do "gasto social" são os primeiros itens de consumo a serem cortados em tempos de vacas magras. Esses elementos devem, portanto, continuar a sofrer o impacto negativo do desemprego oculto. A participação dos gastos sociais no consumo total varia de 33% a 48% em nosso conjunto de vinte e cinco países, representando dois terços do PIB. Depois de estimar a renda disponível mediana usada para consumo (ou seja, deduzindo a poupança), aplicamos essa parcela ao total. Isso fornece um resultado de cerca de 14 bilhões dólares de “gastos sociais” e um consumo sensível à recessão colocado em risco todos os meses em que o desemprego oculto permanecer em níveis elevados, ou 0,3% do PIB global mensal.

Figura 5: Perdas mensais em "gastos sociais" e consumo sensível à recessão por país (milhões de dólares americanos, 15 principais países)

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Fontes: Estatísticas nacionais, OCDE, Allianz Research
Embora a recuperação econômica contínua possa trazer parte da população inativa de volta ao contingente de trabalho, elevando as taxas oficiais de desemprego, os novos bloqueios direcionados também podem marcar um novo aumento no “desemprego oculto” em alguns setores. É por isso que abordar a questão dos trabalhadores desencorajados e fornecer soluções para aqueles que não podem trabalhar devido às restrições específicas da Covid-19 (fechamento de escolas, lockdown específico para hotéis e restaurantes) continua sendo essencial, mesmo que o pico da crise do grande Lockdown já tenha passado.